sexta-feira, janeiro 27, 2006

O reencontro


Noite memorável, a que tive a felicidade indescritível de partilhar na sede da diáspora transmontana, em Lisboa, com o meu povo, a minha gente, essa gente de tão longe, do lá longe da nossa saudosa terra granítica de um nordeste alcantilado, inigualável e único lugar, o verdadeiramente nosso canto transmontano, invendável das suas honra e galhardia, rude, áspero, mas simples, hospitaleiro, sem subserviência, honrado, e, definitivamente, terra de gente de coragem não bacoca, independente, gente de uma imparável e indestrutível identidade, gente da terra onde tivemos a honra de nascer há tantos anos.
Gente sempre esquecida de poderes tacanhos, de poderes que vêm de tempos sempre para nós tempos infinitos, tão esquecidos sempre fomos, quer por aristocracias rebentadas, até à última, aquela a que um Buiça transmontano, ajoelhado, em pleno Rossio, pôs fim com um corajoso e certeiro tiro regicida, gente esquecida dos poderes do negrume da noite Salazarista, esquecimento continuado até hoje pelo descalabro político a que este nosso País não conseguiu fugir, como se de um triste fado de predestinação fossemos as vítimas de palco.
E à volta dos sabores de um vinho novo, só tão nosso, de um fumeiro único, talvez só por nós engrandecido, tal é a intensidade das nossas memórias de cheiros, sabores, sotaques.,.. e outras emoções, tão só nossas também, envolvidos na confusão de recordações de amigos há muito ausentes, gente que se fez a si própria, sem empurrões tão típicos da portugalidade, gente que vindo do nada, tantas vezes, chegou mais longe do que o imaginável, facto de que tanto nos orgulhamos, gente que granjeou estatuto de maioridade em todos os campos do trabalho, e agora ternamente reencontrada, foi com a pele crispada pela emoção e de orgulho que recebemos uma figura singular, um homem de uma indisfarçável generosidade, coração grande como grande o é na sua admirável poesia, autor emérito de numerosas obras, indo mesmo até aos meandros do teatro, homem de ímpar sensibilidade, escultor também, e, sem dúvida, com o poder de caminhar pelos caminhos difíceis de uma pintura de altíssima qualidade: António Afonso (poemarte. blogspot.com).
É ele que hoje finalmente conheci na sua totalidade: na sua verdadeira face de homem simples, na sua grandeza sem vedetismos parolóides e que este maldito Pais ainda não teve a coragem de reconhecer como um dos seus ilustres filhos, talvez tão só, porque os lobbies das pseudo-culturas, estão sempre nesta aldeia grande, esta dita capital, lugar bonitinho só, de um saloísmo esgotado e bafiento lisboeto-patetóide, em que os louros vão sempre para os mesmos: os de cá, os Prados Coelhos..., os amigos dos críticos disto ou daquilo...,etc..., porque nós, por cá por Portugal, e nesta Lisboa, particularmente, temos especialistas em tudo,não se sabendo quem lhes conferiu essa qualidade,..., os amigos desde e daquele..., os que, enfim, se tomam por conhecedores únicos de toda a ciência e arte. ,
Os outros, aqueles que são de longe, das terra de Torga e outros grandes, são olhados como provincianos e alvos de um esquecimento, que afinal não passa de um esquecimento pura e simplesmente baseado no sórdido sentimento de uma merdosa inveja.
Penso que ele, o António, se não importará de que aqui deixe o denso retrato do poema que hoje tive a felicidade de receber das suas mãos, poema que figurará numa placa de ouro às portas da minha cidade natal, lugar de toda a minha saudade: a minha querida e vetusta secular Bragança.

De António Afonso

A minha cidade tem um rio
por detrás de muros antigos e pedras gastas
e onde todas as ruas
pertencem à dormência do tempo.
Onde praças e jardins de Abril
se cobrem de flores e carícias de lés a lés.
Nas mãos voláteis
aqui acendo versos de fogo sobre os sentidos
Quando por dentro da noite
se acende a música
em espirais de som até à torre mais alta do castelo.
A minha cidade tem um rio
e uma ponte sobre o tempo
irrompendo pela manhã.

6 comentários:

Maria Papoila disse...

Quando se diz que os dinheiros e os louros vão todos para Lisboa, não mentimos, pois não?
Como reverter a tendência?

Choninha disse...

Belo poste e bela noite, a passada, com as gentes da sua terra. Faz bem estar com quem lhe quer bem porque se adoçam os dias e sabem-nos melhor a sua passagem.

E os elogios ao A.Afonso parecem-me bem: um encanto de pessoa!

Beijo, bom fim-de-semana com a sua "formiguinha".

Antonio stein disse...

Obrigaqdo pela visita, pelas simpáticas e amáveis palavras que me dirigiu.
Transmontano é mesmo Assim!
Por este seu agradável recanto me farei convidado!

Um Abraço

isabel mendes ferreira disse...

bragantino ou lisboeta europeu ou asiático tu serias sempre assim, generoso e íntimo adolescente e sábio mesmo sem saber que sabias o adentro da amizade...:)

eu só posso prender/aprender o caminho...

bom dia "barbas"/avô/gaivota dos penedos...sempre contigo mesmo que ausente mesmo que presente nos silêncios graníticos.

b.e.i.j.o.

Maria disse...

Li o teu texto, e descubro a meio de uma verdadeira apologia das gentes do norte, a referência ao meu amigo Poeta António Afonso, q tive tb o prazer de conhecer agora, num frente a frente q já tardava!
Fico feliz por ver as suas palavras aqui transcritas, e as tuas de amizade para com ele.
Um beijo para ti.

AQUENATÓN disse...

A gratidão há-de ser eterna, mesmo que não haja porquê...

Abraço a todos
A.A