sábado, maio 28, 2005

Atenção Sr.Primeiro Ministro. Não somos todos uns parvos.

Tempos houve em que a minha ingenuidade me levava a acreditar em políticos, como sendo aqueles de cujas capacidades dependeria em grande parte o bom funcionamento das instituições tendo como desígnio primordial a construção de uma sociedade em que justiça social, em todas as suas múltiplas vertentes fosse conducente, dentro da medida possível, a um bem estar comum, igualitária e democraticamente distribuído.
Ingenuidade de criança a minha!
Desde a queda do regime opressor de Salazar, decorrido bem à Portuguesa, pela mão de sórdidos burgessos pidescos provincianos (é obrigatório compará-lo com os de certos tiranos que de há muito e ainda hoje oprimem os mais indefesos por formas bem mais desumanas e brutais ), que governo a governo, poder desde e daquele, em alternâncias, as mais caricatas, que vimos a assistir ao chorrilho de mentiras e promessas que esses detentores do poder, políticos eleitos por todos nós, cometeram e continuam a cometer, baseadas em competências que acabam por se não comprovar, porque finalmente todo acabamos por ter consciência de que os políticos que nos tem governado, ou são amadores do ofício, ou então, serão talvez portadores de alguma rara patologia esquizofrénica megalomaníaca que os convence de que de facto foi para aquilo que nasceram, para salvar o povo incauto que neles vota tantas vezes seguindo uma cor determinada, como se de futebol se tratasse, num folclorismo só possível neste país ainda quase analfabeto em quase se não em tudo.
E senão, tome-se como exemplo uma coisa muito simples que o recém-nascido socratismo acaba de parir, ao mesmo tempo que vai largando os lóquios viscosos e imbecis do parto de uma governação que tem primado pelo silêncio mais intrigante
Refiro-me só por exemplo, (por reconhecida impossibilidade humana de tentar abordar toda a problemática em que Portugal está envolvido, e também porque é tal a imensidão da minha discordância com a maior parte das medidas tomadas para controlar o anunciado terrível deficit), à imbecilidade e teimosia em manter livres de portagens as famosas scutes, como que só para atestar que, afinal, sempre cumpre o prometido, sabendo ele por demais (faço-lhe a justiça de pelo menos imaginar que ele sabe muito bem do que falo).
E pergunto-lhe: então quando não existiam as ditas scutes (auto-estradas, entenda-se), os portugueses espertalhaços dessas regiões iam de avião de um lado para o outro quando disso tinham necessidade? Não, Sr. Primeiro-ministro; iam pelas estradas que já ali existiam.
Quero com isto dizer que afinal esses senhores que não querem pagar portagens, afinal, sempre tiveram alternativas; só que agora pelas scuts é bem melhor! Não é isso? Ou têem o topete de o negar.
Então que as paguem, muito embora os problemas que esse facto possa acarretar, porque eu, como muitos milhares de outros cidadãos cumpridores rigorosos dos deveres fiscais, que por ali não transitam, não estão dispostos a colaborar das suas já parcas economias em tal desvergonha demagógica.
Garanto-lhe que vai haver barulho a este respeito, isso é que vai, Sr. Engenheiro Sócrates.
Que os senhores continuem a penar na 125, só para não falar de outras, porque eu não ponho lá os pés.

quarta-feira, maio 25, 2005

Helena diz e eu Corroboro

Aqui está um dos exemplares que dominam pela força e astúcia os outros animais (nós todos ) feitos papalvos.
O verdadeiro leão paradigmático do político todo poderoso.

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Originally uploaded by Jimmy..

Diz a Helena e eu Corroboro

"Portugal Hoje: o vicio de calar", José Gil, parte 2, da grande saga "Portugal Hoje O medo de Existir"
Três anos para passar do país da tanga para um défice de 6,83% (só?). Finalmente o Banco de Portugal fez contas e fortaleceu o governo PS, desresponsabilizando-o de resolver algo para o qual não têm qualquer solução crível para lá da "lógica" subida nos impostos. Depois do silêncio, chegamos ao mês de Maio e o senhor primeiro ministro anuncia que anunciará medidas para em três anos reparar os disparates que vêm do anterior governo PS e da letargia do governo PSD/CDS. Durão Barroso está bem, em Bruxelas, António Guterres ficará bem, na ONU. Nós, por cá, no limiar do desespero, pagamos e não podemos fugir às nossas (dos outros?) responsabilidades.

terça-feira, maio 24, 2005

BENFICA e outras opções

Não estando no meu espírito tecer qualquer critica ao entusiasmo popular que a vitória do Benfica trouxe aos seus milhares e milhares de adeptos convictos e simpatizantes e da observação das manifestações de júbilo por esse facto despontadas por todo o Pais, parece-me, contudo, pertinente perguntar-me se é na realidade essa alegria explosiva justificada ou pura e simplesmente consequência da infinita inconsciência deste povo de desportistas a tempo inteiro face à tragédia social que parece adivinhar-se no futuro próximo presente futuro deste nosso País, cada vez tornado mais periférico e pobre de tudo.
Vem esta reflexão a propósito do que hoje ouvi com a maior ansiedade no programa televisivo “Pró e Contras”, no primeiro canal da televisão, onde um painel de sábios da economia, dentro os quais alguns com grandes responsabilidades na génese do descalabro que está a acontecer à nossa cada vez mais frágil e pouco ou nada competitiva economia, cada um deles ditando as suas opiniões, algumas delas, aparentemente muito inteligentes e até fiáveis, mas que me deixaram na alma a angustia de não serem senão palavras e mais palavras.
Espero que quem tem a responsabilidade de governar este desrregulado estado que somos todos nós, possa desse programa tirar algumas lições, sobretudo e de uma vez por todas educar os portugueses em direcção ao grande desígnio nacional, que é o da solidariedade colectiva e não o salve-se quem puder como é hábito enraizado neste povo tão ignorante dos seus próprios males.
Que seja feita justiça doa a quem doer é o que espero do recém eleito primeiro ministro:
que finalmente cumpra o seu dever e que por razões eleitoralistas não se refugie na cobardia habitual a que os políticos nos habituaram.
Que apareça agora também o Sr. Louça e outros patriotas iluminados de pacotilha a dar uma ajuda e não a incendiar ainda mais o que ainda nem sequer está no rescaldo.
Que mostrem o seu amor desinteressado por este pobre e desamparado povo inconsciente da malignidade da sua própria doença.
É pena que nem todos possam ler José Gil, porque se assim fosse compreenderiam muito melhor a angustia que me vai na alma deste desabafo.

BENFICA ou outras Opções


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domingo, maio 22, 2005

Traballho? Quem na verdade o quer?


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Originally uploaded by Blue_.

De facto o desemprego que nos atinge é demasiadamente dramático para deixar indiferentes os mais assanhados seguidistas politicos. É tempo de que, alguém com capacidade para resolver tão tenebroso problema, ganhe coragem e apareça com alguma solução, que neste momento se afigura tão dificil de conseguir. É um problema de vida ou de morte, de afinal, sobrevivência do País.Há no entanto, como de todos é sabido, milhares e milhares de situações àcerca das quais as autoridades parecem estar perfeitamente a leste ou propositadamente ignorem, por cobardia de actuação, por receio da correspondente perda de dividendos eleitorais, até porque iriam atingir muita gente, ou então, por puro imbecilismo e incapacidade politicas, pois há génios a governar que não sei onde aprenderam nem de onde vieram, (Isto é outra peculiariade bem portuguesa: cada um de nós é o maior, o que chuta mais alto... mais um verdadeiro génio que só encontra paralelo numa ilha recondita de um planeta inexistente e outras maluquices e irresponsabilidades que, como infelizmente é sabido, ninguém responsabiliza, já que a justiça é um lugar esvaziado da minima credulidade), e dizem mais uma vez respeito à chico espertalhice portuga. Calculem que há gente a receber subsídio de desemprego que tem o descaramento de procurar trabalho( porque ainda há trabalho ), propondo receber salários no escuro; a leste de obrigações fiscais que todos devemos cumprir, porque no final de contas o Estado somos nós. Foi com espanto, que num recente programa televisivo, dei com uma vacarrona tipicamente portuga, gorda e exibindo, como é quase normal, um só dente do resto de uma dentadura apodrecida, certamente devoradora de sardinhadas, de caldeiradas e outra alarvices em que somos na verdade exímios, que recusava um trabalho de costura por, coitadinha!..., aos quarenta e poucos anos não poder exercer tal ofício, por sofrer da nacional patologia de hérnia discal, situação nosológica tão frequente, ou latente na forma de portugoherniodiscotendência, neste povo ultra esforçado de aldrabões, invejosos, individualistas, trapaceiros baratos, porcalhões e indisciplinados e alguns, até ladroezecos de pacotilha e tudo o que de mais desprezivel se possa imaginar. Depois, foi a vez de uma jóvem empresária tentando deseperadamente encontrar balconistas de que precisava e das candidatas que apareceram e às quais era oferecido um salário de quinhentos euros a proporem-lhe receber esse dinheiro no escuro para o juntar ao que recebiam do desemprego. Enfim! Não há palavras! Assim não vale! Assim o povo unido será certamente vencido, quer pela geneticamente tão intrincada nacional tendência para a trapaceirice, quer pela incompetência e irresponsabilidade de um sem número de curiosões da política que vão gerido este país bem pior que um humilde agricultor é capaz de trabalhar a sua pequena horta.

Numa coisa somos campeões: no mais importante de todos sos problemas nacionais :O FUTEBOL , com primeiros ministros de se lhe tirar o chapéu.

segunda-feira, maio 16, 2005

ouro da terra


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Originally uploaded by re-Verse.
A esperança

ouro da terra

Ontem disseram com grande aparato os que deveriam ser entendidos nestas coisas da metereologia, que finalmente a chuva estaria aí.
Como pão que alimenta famintos, a esperança de chuva renasceu hoje no meu espirito, logo que os olhos se me abriram na semi-obscuridade do meu quarto, com o medo que todas as manhãs me assalta do inevitável gesto olhar o relógio de cabeceira e ver o passar dos segundos, cada vez mais velozes da minha já tão encurtada estadia por estas paragens terrenas, a caminho do inevitável.
Cada segundo de uma vida!Um aí!
Porém, logo nesse momento entreabrindo o cortinado, vi que afinal o sol brilhava por entre nuvens ralas e envergonhadas e a minha esperança começa a desvanecer-se de ver tombar dos céus o tão ansiado líquido-ouro que viria combater e acalmar a ira cruel do desertificador, inimigosem alma de tantos milhares de pobres agricultores que dessa água bendita necessitam como alimento tão vital para as sua terras ressequidas, quase esterilizadas.
E fiquei deprimido e triste, como nos tempos em que chuvas e escuridões prolongadas me costumavam deprimir e entristecer.

domingo, maio 15, 2005

Maravilha da cor


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Originally uploaded by YF.
Na procura de Andy, a cor é o segredo.

paz

A paz encontra-se em nós próprios quando a consciência nos proporciona essa oportunidade.Talvez lá longe no horizonte de uma consciência limpida e serena, quão serena é a doçura da vastidão azul distante , em que céu terra e água se fundem numa harmonia de silêncio.

terça-feira, maio 10, 2005

Cair na realidade

É muito doloroso aceitar o dia em que constatamos que, afinal, não somos nenhus Tarzans e que o que pensávamos só aconteceria aos outros, também muitas vezes acaba por nos atingir a nós próprios, criaturas que até esse crucial momento exultávamos de saúde: mental e física; e não direi de felicidade, porque não consigo compreender o que isso é na verdade. De facto, esse conceito é de tal modo incompreensível, que deixo para quem tenha a capacidade de se sentir isso, feliz, uma mais atinada via de explicação.
É dura, muito dura a solidão e por vezes ainda mais terebrante e inexplicável ainda, quando aparentente dela não temos razões aparentes para nos queixar, só por que temos uma família que muito nos estima, claramente comnosco se preocupa e ao mesmo tempo nos abraça à sombra da sua protecção.
Tudo isto é verdade, só que a solidão é estranha a toda esta fenomenologia e nos agarra e puxa para os fundos escuros de um imprevisível axfixiante.
Caímos numa profunda solidão e angustia demolidoras por muito que tentemos seguir acreditar no que de imediato nos dizem familiares e amigos: que não é tão mau assim, que tudo se irá resolver em bem...e outras landonas , que a mim me entram por um ouvido e de imediato saiem pelo outro, ou até, o que é o habitual, que nem lhes chego a prestar atenção, tal é a intensidade da agonia que tantas vezes me fere quase de morte.
Mas o que fazer senão tomar consciência da nossa fragilidade, nesta temporalidade de gota infima no tempo de um Universo, no qual nem poeira chegamos a ser?
Par agravar o quadro negro damos depois uma volta por este triste Paí nosso e aí tudo se complica mais ainda, porque parece que ele está também profundamente deprimido e sem regresso.

segunda-feira, maio 09, 2005

O fim do pesadêlo Hitleriano

Faz hoje sessenta anos que a Alemanha Nazi capitulou, após anos de uma inimaginável destruição de vidas e haveres por toda a Europa, estendendo-se aos confins da Rússia. Infelizmente, como é sabido, só algum tempo depois foi possível eliminar o aliado Japonês de Adolfo Hitler, com o lançamento das bombas atómicas sobre Nagasaki e Hiroshima, com elevadíssimos custos, da mesma forma nunca pensados.
Triste é pois, que conhecidas as misérias das atrocidades nazis, os governos e particularmente, as esquerdas, sobretudo dos Países que sofreram a ocupação pelas forças nazis, continuem a permitir que grupelhos de neo-nazis de cabeça rapada, se comecem a organizar sem que ninguém lhes dê a respectiva e merecida resposta: a sua destruição e forte punição para as mentes doentias dos seus organizadores e restante camarilha. A qualquer preço!Porque essa gente não merece viver em liberdade.
Melhor faria especialmente o pimpão Sr Louçã e o seu enfatuado correlegionário Rosas e outros energúmenos políticos feitos à pressa, que ninguém sabe de onde sairam, nem quanto sabem do apregoam saber, que tão preocupados parecem estar com a desgraça em que este nosso pobre País vai caindo dia a dia, guardassem, e aqui em especial esse lobo encapotado de cordeiro de cognome Louçã, ( um verdadeiro mestre na angariação de partidários, sobretudo jovens de uma burguesia estudantil bem instalada na vida, como é tradição histórica ), um pouco da sua amarga bilis com a qual tudo aspergem à sua volta, para de facto alertar os portugueses para essa realidade neo-nazi que também impunememte desponta já perigosamente na nossa já tão sacrificada terra.
E a propósito de politicos e politoqueirices, aconselho quem por aqui passas os olhos a ler a entrevista de Vasco Pulido Valente à revista Visão, publicada na semana que ontem terminou.

quarta-feira, maio 04, 2005

As ironias desta vida

Ainda ontem tinha pensado nele.
Hoje logo pela manhã recebi a triste notícia da sua morte.
Fiquei de rastos.
Desapareceu um grande amigo, homem ainda na pujança de uma vida profissional promissora, de uma rara inteligência e de uma vontade pertinaz, quase heróica.
Por ironia, tinham-lhe prometido uma sobrevida bem mais longa para a sua terrível doença, mas afinal enganaram-se.
Morreu um homem, que como todos, tinha defeitos e qualidades, é certo, mas que no íntimo, era amigo do seu amigo e que não merecia desaparecer assim, tão bruscamente, de forma tão cruel, atingindo por uma terrível enfermidade, logo associada a outra, qual delas a pior - venha o diabo e escolha -, deixando os que verdadeiramente lhe tinham amizade, completamente destroçados.
No entanto, parece ser uma regra fatal e sem excepções, tal como é fatal e inexorável a nossa própria morte, o que só vem confirmar a inexistibilidade de tais excepções: que trastes que nada valem, que nada dão aos outros, e que como que por ironia, continuam a viver sem cerimónia, sem que nenhum mal os atinja ou castigue pela sua vilania.
Claro que haverá quem logo diga que isto é um chavão popularucho, mas a mim isso nada me afecta. Para esses , desculpar-em-ão: estou-me cagando.
Tenho direito ao desbafo do meu desgosto.
A vida tem destas coisas!
Por isso, o melhor é não fazer projectos e viver na totalidade um dia de cada vez.
E depois, venham lá convencer-me - (não se ofenda quem não pensa e sente como eu, que sou um fanático respeitador das opiniões dos outros) -,que Deus existe, que os Seus Mistérios são insondáveis e que foi o Divino Espirito Santo que escolheu o Huno Ratzinger para Sumo Sacerdote da Confissão Católica.
Meu caro e querido Luís, amigo de tantos anos e de tantas boas e más recordações: lá onde estás agora, se é que estás algures, fora desse teu corpo mortificado pelo sofrimento atróz da miserável doença que infelizmente te atingiu de forma tão brutal, definitivamente adormecido, fica sabendo que não te esquecerei e que muito embora um ou outro desentendimento que porventura algumas vezes tivemos, sempre fui um dos teus grandes e indefectíveis Amigos, daqueles de Verdade
O teu muito amigo de sempre.
Descansa agora em Paz meu saudoso companheiro.

domingo, maio 01, 2005

O dia da Mãe

Não ligo pêva aos dias disto ou daquilo.
Só que da minha saudosa mãe, tenho ainda, após tantos anos volvidos da sua partida, a mesma lembrança terna de todo o tempo em que fisicamente a tive comigo.
Para ti, minha Mãe, mulher tão querida e tão única, a minha eterna saudade.

A Fotografia

Ali estava António, especado, em frente ao aquário que divide a sala do pequeno apartamento mais ou menos a meio.
Do lado da varanda, voltada para o Tejo e construída saliente sobre o beiral do telheiro do penúltimo andar, num arremedo de sala, uma zona de estar, arejada e quase aprazível, embora os dois pequenos sofás amarelo camelo que quase a enchem, estejam já bem estafados, de lado quase completamente riçados até ao casco de madeira de pinho pelo Bolinha, o gato rafeiro que sempre ali afiou gulosamente as unhas até Outubro do ano passado, altura em que se finou. A um canto, em frente dos sofás, sobre uma mesa escura de pinho, um televisor que raramente funciona.
Lembrava-se do dia chuvoso e frio em que, voltando da redacção do jornal e mesmo a chegar a casa da Luísa, tinha recolhido o Bolinha na rua, quando, ele, abandonado, pequenino e escanzelado, miava debaixo do motor ainda quente de uma carro que ai devia ter estacionado não havia ainda muito tempo, como se implorasse protecção
.Revivia o olhar ternurento e espantado de Luísa quando ao abrir-lhe a porta o viu com aquele assustado gatinho de pelo cinzento malhado de branco, encharcado até aos ossinhos, anichado como um bicho-de-conta no calor dos seus braços.
Com um esgar de dor António parecia reviver o dia em que o encontrara morto num canto esconso da minúscula cozinha, como se para morrer, o Bolinha, tivesse decidido esconder-se e, sozinho, passar por esse momento atroz.
Entre o aquário e a porta de entrada, uma espécie de acanhada sala de refeições, de configuração trapezoidal, com uma velha mesa holandesa de abas encostada a uma das paredes, pejada de papeis e jornais já lidos, numa confrangedora desordem e três velhíssimas cadeiras de palhinha meia destruída também pelas garras do Bolinha e que Jean Claude comprara num armazém de ferro velho para os lados da Estrela.
Nas paredes, coladas com fita adesiva contra a caliça a querer soltar-se, algumas fotografias amarelecidas e uma outra, bem maior, também já meio desbotada, de António, da Luísa, do Jorge Ferrão, da Clarisse, do Alberto Barreto e de mais dois rapazolas de que António mal se recordava, feita na escadaria da faculdade de letras, numa tarde do Verão de mil novecentos e setenta, depois do fim da época de exames do final de curso.
Penduradas, quase coladas à porta da entrada, duas serigrafias de um pintor amigo, emolduradas modestamente, misturam-se com um enorme poster de Che Guevara.
António, cabeça encostada ao vidro do aquário, nervoso, com um angustiante confrangimento no peito a estrangulá-lo, quase a impedi-lo de respirar, apertava na mão esquerda a chave do apartamento e entre os dedos esguios da direita rodava inquieto a pequena caixa arredondada de cartão contendo a comida daqueles pequeninos peixes, semelhante a pequeníssimas partículas multicolores de mica.
Tinha voltado hoje, como todos os dias, desde que eles tinham partido para França.
Tinha-lhes prometido que viria alimentar aqueles seus pequeninos peixes tropicais de escamas coloridas de azul ultramarino, amarelo vivo e escarlate.
Aturdido, olhava através do vidro à procura da imagem de Luísa, tornada grande e distorcida pelas leis da óptica, trespassada pelo passear dos peixes num passar de vaivém quase virtual, como num bailado sereno, quando ela os vinha ver com o seu olhar míope e António, enternecido, a olhava através do vidro do lado oposto.
Luísa falava com o Simão, com o Fraldinha e com o Filósofo e eles beijando o vidro pareciam compreendê-la abrindo felizes as suas caudas vaporosas e translúcidas numa fibrilhação de asa de borboleta ou cauda de pavão cortejando a fêmea.
Mas Luísa não estava mais ali. Não voltaria. Nunca mais. Nem o Jean Claude.
Os olhos mareados como se os tivesse mergulhado no aquário. No peito uma dor profunda, lancinante.
Recordava o dia em que Luísa rompera com o Manuel, a resignação com que lhe aturara a ressaca e a esperança que alimentara de ver chegada a sua hora de talvez poder ser amado finalmente por aquela mulher que era todo o seu mundo.
Depois, fora de novo a rejeição e o desespero.
Mesmo assim, António continuara a amá-la ainda com paixão e ela, fingindo ignorar esse amor, fizera-lhe outra vez sentir que não poderia nunca ser mais do que a sua melhor amiga.
António, mesmo assim, continuara a devotar-lhe um afecto intenso e calado, sofrido.
Para Luísa, Jean Claude era o seu grande e definitivo amor.
Tinham-no conhecido naquela tarde de um sábado do fim de Junho de mil novecentos e setenta e quatro, no passeio fronteiriço à velha estação do Rossio, em plena alucinação revolucionária, a caminho de um comício na Praça do Comércio.
António revivia como numa sessão de cinema de reprise aqueles momentos em que Jean Claude, carregando ao ombro um complicado equipamento fotográfico e empunhando uma velha Hasselblad, travando-lhes o passo aparecera em frente a eles, acompanhado por uma jovem mulher de cabelos ruivos, cortados curtos, de andar arrapazado, com um autocolante vermelho bem legível especado na blusa azul que vestia, sobre a zona do seio esquerdo, anunciando-a como fazendo parte da imprensa, com ele a gesticular e a insistir em fazer-lhes algumas fotografias.
Logo a seguir recordava-se de o ouvir, como que a sibilar nuns ouis inspiro-soprados, a entrecortar o seu palavreado de um francês tipicamente parisiense e apontando a sua companheira, pedir para que lhes concedessem a ela uma entrevista de rua.
Depois de conseguir as primeiras fotografias, recapitulava como Jean Claude se apresentara de forma tão convincente como repórter fotográfico, acrescentando, que Marie Joseph –, assim se chamava a sua companheira – era jornalista de uma coluna política importante de uma revista francesa de esquerda.
Entre as várias fotografias que lhes fez, uma fora muito especial, com António a encostar a cabeça à de Luísa, e ela, de punho esquerdo erguido e cerrado e a mão direita a fazer um V de vitória entre o dedo indicador e o mediano.
Jean Claude colou-se a eles e como que hipnotizado, não mais os largou.
Depois ele e Luísa apaixonaram-se e António, de novo viu ruir a sua esperança.
Jean Claude mandou a revista às urtigas e nem sequer devolveu os negativos.
Marie Joseph partiu sozinha.
Desde então estiveram sempre juntos e felizes naquele pequeno apartamento de um último andar na Lapa, onde Luísa sempre vivera desde começara a trabalhar e por onde, sem pedir licença entra a imagem grandiosa do Tejo.
Seis meses volvidos e se sem saber porquê, sem dar a António uma explicação, mesmo que fosse lacónica ou até menos verdadeira, de um momento para o outro, Luísa e Jean Claude tinham decido partir para Paris, mentindo, no entanto, dizendo-lhe que lá passariam algum tempo, mas que voltariam em breve.
Tinham passado já mais de oito dias desde que tinham deixado Lisboa e deles nem um sinal!
António sentia o arrepio do pressentimento forte de que pelo menos Luísa não voltaria mais e sabia bem o sofrimento que a sua ausência física lhe provocaria.
Depois voltava um assomo de esperança vaga e perguntava-se:
- E o apartamento? O que faria? Talvez fosse verdade que Luísa voltaria em breve! Que outra explicação para aquela partida sem Luísa lhe deixar a mais breve indicação do que fazer com a casa e toda aquela tralha
Jean Claude poderia ficar! Fora para o seu país. Que ficasse! Era-lhe indiferente!
Mas Luísa! Amava-a ainda tão apaixonadamente, mesmo sentindo a dor imensa de sempre Ter sido um rejeitado.
Se ao menos lhes pudesse dizer que iria cumprir o prometido, que não abandonarei os seus pequeninos peixes tropicais!
Mas a angústia de novo voltava.
O apartamento? O que faria com ele?
Absorto, indiferente a tudo, muito abatido, António, deixando o corpo afundar-se pesadamente num dos velhos sofá amarelos experimentava a sensação dolorosa que o mundo lhe desabava sobre os ombros e sentia que só lhe restavam: o Simão, o Fraldinha, o filósofo – eles precisam dele e das pequenitas escamas como mica que flutuavam à superfície e que hoje, como desde o dia em que eles partiram, estáticos, como se a morte os tivesse atingido, olhando António, fixamente, bocas coladas ao vidro grosso do aquário, parecia terem resolvido não comer, talvez adivinhando o abandono que sobre todos se abatera -, e aquela fotografia que o Jean Claude lhes fizera naquela tarde de Junho de 1974 e que desde aí ciosamente guardava na carteira, com a Luísa, linda de morrer, o olhar brilhando de esperança na consolidação de uma liberdade tão dolorosamente reconquistada e um sorriso de felicidade a fazer o V da vitória, que se desvaneceria no torpor do poder que embriaga o homem político.