segunda-feira, novembro 21, 2005

Mas afinal o que e é que os aerogramas do António Lobo Antunes têm de especial (o que nada tem a ver com a indefectível qualidade sua como grande escritor, talvez o mais importante da minha geração), se não a linguagem apaixonado de uma juventude em ansiedade extrema pela separação provocada pelo conflito colonial), ao ponto de uma comentadora televisiva depor em opinião, na entrevista semanal que faz a Marcelo Rebelo de Sousa, que se trata de uma admirável compilação, de uma obra de grande qualidade.
De facto, foi comovente a reportagem televisiva do reencontro de camaradas, no momento do lançamento desse livro, ao ponto de a uma lágrima de uma sofrida nostalgia, escorrendo-me pela já minha envelhecida face me não poupar essa recordação dolorosa, e também de orgulho por ele, pelo António, o autor mais do que consagrado, misturado no seio dos seus antigos companheiros de desdita e não sentado à mesa de apresentadores de circunstância ( o que não foi o caso, porque à mesa estavam as suas filhas, talvez as responsáveis por o terem quase forçado, creio, a essa publicação), emproados de vaidade como tantos que para aí vagueiam numa pseudo-intelectualidade bem pacóvio-portuga quinto mundista.
É certo também, que muitos outros, milhares, deles, diria mesmo, gostariam de conseguir ter um dia igual ao do António: ter consigo todos os seus camaradas, todos vivos, o que se afigura uma impossibilidade, já que tantos deles por Africa perderam a vida e, outros, muitos felizmente ainda vivos e de bom e digno envelhecimento,
No entanto, é bom não esquecer que essas cartas de desespero pela lonjura e perigos da guerra não foram só vividas por ele, o António, pessoa de quem até sou amigo e de quem com sinceridade gosto, mas deixo no ar a pergunta que nada tem a ver com o seu legítimo direito de publicação: será que não haverá por aí milhares de aerogramas igualmente desesperados e belos, que deveriam também ser reunidos em obra, e aos quais, a Sr.ª comentadora televisiva, sempre tão arguta e atenta a tudo, pudesse ter acesso e que de igual modo considerasse dignos de serem lidos?
O facto é que nem só o António Lobo Antunes sofreu na pele a dor e a angustia desses tempos, já para não falar dos famosos aerogramas daqueles que nunca voltaram mas também escreveram.
De todo o modo um abraço cingido de amizade ao António, com a ressalva do seu legitimo direito a essa publicação.
E já agora seria bom que a sociedade civil mostrasse, senão respeito, pelo menos uma contenção mais digna pelos combatentes da guerra colonial: primeiro pelos mortos, uma juventude sacrificada que só uma história perversa e politiqueira teima em ignorar e depois por aqueles em quem aquela maldita contenda em terras Africanas deixou marcas de dor e sofrimento inapagáveis.


3 comentários:

graziela disse...

olha jorge, ainda não li o livro mas vou lê-lo seguramente, tudo o que diz respeito a Angola tem a vêr comigo.
sabes que eu tenho um conjunto de correspondência giríssimo: são todas as cartas que escrevi para uma irmã minha durante os 14/15 anos que estive em Angola e que ela guardou e agora me ofereceu para eu me confrontar comigo hà "séculos" atrás?
são também uma ajuda de memória(s) incalculável.
um abraço
graziela

Maria Papoila disse...

Como pessoa nascida depois do 25 de Abril de 1974, acho que a minha geração não conhece quase nada do tempo em que Portugal era governado por um ditador e os jovens iam desperdiçar a juventude e muitas vezes perder a vida para o "ultra-mar".
Os meus pais sempre tentaram falar-me desses tempos, mas mesmo assim, só descobri o que era um aerograma depois de Lobo Antunes ter publicado este seu último livro(apesar de os meus pais trocarem aerogramas diáriamente durante meses a fio).Venham mais livros e mais filmes dedicados a este tema!

Maria Papoila disse...

Caro Jorge:
a propósito do seu último comentário no meu blog, tenho a dizer-lhe que não acho aquilo que escrevo minimamente interessante para ninguém além de mim própria.
Afinal,foi por isso que arranjei um blog:precisava de debitar as minhas teorias e não havia ninguém com paciência para me aturar( e com toda a razão!).
Eu gosto é de ouvir as outras pessoas contarem o que lhes aconteceu e o que fizeram. Acredito que na vida não se aprende só com as próprias experiências, mas também (e muito) com as vivências alheias!
Quanto à sociedade desumanizada de que fala, acho que aqui pelo norte ainda vamos falando com desconhecidos e dando os "bons dias" com um sorriso(embora talvez por pouco tempo).
Para terminar, a propósito do meu gosto por "saber da vida dos outros", proponho-lhe que vá deixando as suas memórias de guerra por aqui,na blogosfera!Serão com certeza tão boas ou melhores que as do Sr. Lobo Antunes.
Um abraço.