Absorto, ouvia o zunir do vento e o trautear da chuva na vidraça do seu aconchegado escritório.
Noite triste, fim de um dia não menos deprimente e cinzento de Outono, recordava a dor que o seu grande amigo Sebastião sofrera no dia em que finalmente se separaram para sempre e ele o vira partir de Angola, com o temor estampado naquele seu inesquecível rosto negro, de uma ingenuidade indisfarçável, de nunca mais se voltarem a encontrar.
Como num flash-back, numa suave e ao mesmo tempo dolorosa recordação, podia agora rever o correr turbulento das lágrimas sentidas, de cuja verdade nunca ousara duvidar, que o seu amigo e companheiro fraterno Sebastião não conseguira estancar, a inundarem-lhe o rosto crispado de tristeza, nesse momento difícil do abraço cerrado final da inexorável despedida; num sofrimento atroz, como se o mundo lhe tivesse desabado sobre os ombros.
Ele, aquele garoto soldado, tinha só vinte frescos anos, na sua negritude gaiata e admirável, como a do chocolate amargo tornado doce, com o brilho acetinado e digno da sua pele escura, sempre fora o companheiro dedicado e amigo, que o guiara a salvo por terras vermelhas e poeirentas africanas, como se fosse um seu anjo da guarda, como se guardasse o seu próprio pai.
Que dor e que saudade experimentava agora, ao ponto de também ele não conseguir estancar uma lágrima de emoção, que sorrateiramente lhe ia correndo pela sua já envelhecida face.
Que saudade de mais de trinta e tantos anos sentia do seu amigo Sebastião e como o parecia agora rever no seu sorriso franco, quando conduzindo o jeep lhe dizia: meus tinente, pode estar descansado, que quando vortar nos puto, vai chigar inteirnho p’ra ver os suas mininas; o Sebastião vai devagar para não termos chatice…
Que saudades sentia do Sebastião, aquele seu verdadeiro amigo que a guerra lhe deu e lhe roubou.
3 comentários:
Fico a pensar se o Sebastião não andará ainda por este mundo. O que lhe terá acontecido? O que terá acontecido a tanta gente que ficou por lá? Deve ser complicado para quem veio pra Portugal e nunca mais teve notícias dos amigos e conhecidos...
Mas contar e relembrar estas coisas também ajuda a matar as saudades, não é?
Gostei muito. Pareceu-me ter à minha frente o Sebastião, pareceu-me vê-lo triste na despedida sentida de dois amigos. Mas é trite, tal como o céu cinzento de Outono, a despedida. É sempre triste uma despedida.
... percebes agora como também eu tenho saudades daquelas gentes?
... já falamos disso muitas vezes!
... o meu querido "Cuanhama", nos seus quase 2 metros de altura, que um dia se auto-intitulou garda costa dos meu arfere mesmo!.
... as mais simples e confortáveis camas que em pleno mato, me fazia com os vegetais que por lá havia!...
... e todos os outros pretos que comigo conviveram!...
... sangre de Cristo, juro por Deus!
... que tempos maravilhosos de solidariedade, companheirismo, aventura, cervejas, muambadas, rebitas e tantas outras coisas boas de que é melhor não falar!
... era a pureza na sua verdade!
... pena que hoje já assim não seja!
... sinto que ficaste melhor depois de recordares o Sebastião que com sorte deve andar sabe-se por onde, mas muito provavelmente, pela sua terra natal!
Um grande xi
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