Por fora, um homem de pedra, por dentro, por dentro de mel.
Via-o na rua e ás vezes, só, sentado a um canto do pequeno café da praça central, junto única vidraça grande que dava para a rua, lendo o jornal diário que ali chegava sempre com atraso.
Mas conhecê-lo, ter consciência da sua presença física austera, da sua voz cava que me aterrorizava, só aconteceu há muitos anos já, no dia da minha primeira amigdalite.
Toda a gente parecia adorá-lo, mas eu odiei-o desde que naquela tarde quente de Agosto entrou pelo meu quarto, sorrindo para a minha mãe enquanto dizia na voz que me pareceu o ribombar de um trovão:
- Vamos lá ver então o que é que o garoto tem!
A seguir foram zaragatoas de anginol, um liquido escuro e picante, de sabor iodado, que me provocaram vómitos inesquecíveis, supositórios de bismucilina, pachos de algodão embebidos em álcool, ajustados a um lenço de assoar a envolver-me o pescoço.
E a minha mãe, agitando nas mãos um livro de estorietas da colecção Manecas - que hoje sei ter sido comprado na loja do tem tudo, o velho Coelho da Drogaria Central -, para me acalmar a pena de me ver metido naquela cama e de ao mesmo tempo ouvir o chilreio da garotada amiga que, na rua, jogava futebol com uma bola de trapos sem mim, e que depois do jogo acabado fazia corridas em volta do quarteirão passando pela quelha das traseiras da estação de correios lá da terra.
Depois, houve outras amigdalites, outras febres e lá vinha ele com aquela face cortada a garlopa a repetir que eu nunca mais tinha juízo, que só estava bem a meter os pés em poças de águas frias apodrecidas do degelo de neves invernosas ou a jogar guerras com bolas de neve e a seguir, transpirado, a tirara a samarra, com as respectivas consequências.
Carreiros de cabra, montes e vales, calcorreava ele, empinado como uma estátua de granito sobre o seu velho e já cansado cavalo preto, o Soberano, como lhe chamava, a quem dedicava um afecto como se fosse do seu sangue.
. O seu velho citroen arrastadeira apodrecia no alpendre do barracão da sua quinta. Só o usava quando, esporadicamente, alguém que precisasse do seu auxílio vivesse em lugar com acesso por estradas de macadame e calhaus, que outras quase não haviam.
Um dia soube que ele, afinal, morrera abandonado no seu leito de solidão e então, uma lágrima de saudade rolou-me pelo rosto.
Via-o na rua e ás vezes, só, sentado a um canto do pequeno café da praça central, junto única vidraça grande que dava para a rua, lendo o jornal diário que ali chegava sempre com atraso.
Mas conhecê-lo, ter consciência da sua presença física austera, da sua voz cava que me aterrorizava, só aconteceu há muitos anos já, no dia da minha primeira amigdalite.
Toda a gente parecia adorá-lo, mas eu odiei-o desde que naquela tarde quente de Agosto entrou pelo meu quarto, sorrindo para a minha mãe enquanto dizia na voz que me pareceu o ribombar de um trovão:
- Vamos lá ver então o que é que o garoto tem!
A seguir foram zaragatoas de anginol, um liquido escuro e picante, de sabor iodado, que me provocaram vómitos inesquecíveis, supositórios de bismucilina, pachos de algodão embebidos em álcool, ajustados a um lenço de assoar a envolver-me o pescoço.
E a minha mãe, agitando nas mãos um livro de estorietas da colecção Manecas - que hoje sei ter sido comprado na loja do tem tudo, o velho Coelho da Drogaria Central -, para me acalmar a pena de me ver metido naquela cama e de ao mesmo tempo ouvir o chilreio da garotada amiga que, na rua, jogava futebol com uma bola de trapos sem mim, e que depois do jogo acabado fazia corridas em volta do quarteirão passando pela quelha das traseiras da estação de correios lá da terra.
Depois, houve outras amigdalites, outras febres e lá vinha ele com aquela face cortada a garlopa a repetir que eu nunca mais tinha juízo, que só estava bem a meter os pés em poças de águas frias apodrecidas do degelo de neves invernosas ou a jogar guerras com bolas de neve e a seguir, transpirado, a tirara a samarra, com as respectivas consequências.
Carreiros de cabra, montes e vales, calcorreava ele, empinado como uma estátua de granito sobre o seu velho e já cansado cavalo preto, o Soberano, como lhe chamava, a quem dedicava um afecto como se fosse do seu sangue.
. O seu velho citroen arrastadeira apodrecia no alpendre do barracão da sua quinta. Só o usava quando, esporadicamente, alguém que precisasse do seu auxílio vivesse em lugar com acesso por estradas de macadame e calhaus, que outras quase não haviam.
Um dia soube que ele, afinal, morrera abandonado no seu leito de solidão e então, uma lágrima de saudade rolou-me pelo rosto.
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